Novos Crimes do Amor
Nota do autor: Para escrever este conto, eu me baseei em crimes realizados no seio da comunidade brasileira residente nos
Estados Unidos. Sem citar nomes e locais determinados e com uma característica
mais chegada para Nelson Rodrigues e Marquês de Sade, Novos Crimes do Amor tem 4
capítulos. Foi publicado pela primeira vez no jornal Brazilian Times, de Boston, durante 4 Sexta-Feiras seguidas.
A história conta o drama de Marlucia, que resolve
viajar para a América e deixar para trás o antigo namorado numa cidade de
Minas. A vingança dele é tramada e mais tarde as consequências são desastrosas.
Novos Crimes do Amor
Folhetim de Phydias Barbosa
Capitulo 1 - Uma loba que desperta
Marlucia se sentia muito, mas muito mal amada pelo
Alfredo. Já namoravam há 5 anos, mas a mesmice a incomodava há bem uns 3.
Detestava coisa morna como essa. Não havia Domingo que ele não tomasse um
porre. E porres com ressacas que duravam umas 48 horas. Ela, criada na igreja,
não admitia bebedeira. Talvez por trauma, pois sempre se lembrava do tio Ditto,
que tomava porre por qualquer motivo.
Ele, filho de pais separados, arranjava uma desculpa
para se embebedar com os amigos. E o pior, é que toda vez que ia assistir a
novela das 8 ao lado dela, dormia no início do primeiro capítulo e só acordava
depois que ela jogava um copo dágua fria em seu rosto. Ela queria mais
envolvimento amoroso, mas Alfredo parecia nao colaborar muito para isso. Era
sexo só e pronto.
Tinham os
mesmos amigos, os mesmos conhecidos, família morando perto uma da outra. Por
isso, Marlucia foi se acomodando com a situação. Deixava prá lá, pensava que
depois que se casasse ia continuar sofrendo com a ausência do namorado e já se
entregara a esse clima de derrota.
Até que ouviu dizer que Arismar Salgado, famoso
ex-jogador do time local e durante anos um dos principais armadores do Atlético
Mineiro, ele tinha sido ex-treinador físico do time da Votorantim e atual
empresário do futebol, ia abrir uma loja na cidade. Nazaré, a colega bem
entusiasmada, estava recrutando vendedoras jovens para fazerem parte do time da
empresa. Ela estava mesmo precisando de um emprego novo.
Salgado Sports ia muito bem no mercado. Já tinha 5
lojas, outdoors espalhados pelo estado, anúncios e vinhetas de rádio
patrocinando o esporte da região e criativos anúncios na mídia local. Chegado o
dia da entrevista, Marlucia colocou sua melhor roupa e foi para a fila. As
moças que se apresentaram na recepção ficaram todas ansiosas quando souberam
que o Arismar Salgado, em pessoa, faria a entrevista inicial.
O burburinho e o bochicho pareciam os mesmos de um
desfile de modas no Fashion Rio, São Paulo Expo, essas coisas. Todas se
sentindo as modelos para encantarem o novo patrão. Marlucia não apresentava,
entretando, a mesma reação. Ela estava bem arrumada, mas seu coração murchou no
impacto da chegada naquela recepção cheia de mulheres de diferentes tipos e
idades, algumas jovenzinhas e bem atraentes, fazendo com que ela achasse logo
que aquele páreo não era para ela correr.
Ficou num canto, esperando ser chamada. Distraída
estava, distraída ficou, bateu o cansaço e ela foi apagando, apagando e dormiu,
recostada na poltrona confortável da sala de espera, enquanto as outras peruas
se esganiçavam pelos corredores. De repente, ouviu ao longe uma voz. Foi
abrindo os olhos aos poucos e viu que alí já não havia mais ninguém.
Algumas horas tinham se passado. Só um rapazinho com
uma prancheta e um walkie talkie na mão. Ele falou para alguém que havia ainda
uma última moça a ser entrevistada. Perguntou seu nome e pediu que entrasse
pela enorme porta de vidro à sua frente. Para onde ela foi, caminhando devagar.
Passou por um saguão, entrou na primeira porta à direita e viu, sentado numa
confortável poltrona de couro, o Arismar. Uma emoção para ela. Ele a olhou bem
fundo nos olhos, mirou nas suas coxas carnudas e disse, com uma voz de barítono
que a todas encantava:
- "Tire a roupa!"
Ela perdeu a fala. Aquela frase soou como um tiro de
canhão. Mesmo assim, pouco a pouco e devagarinho, foi tirando peça por peça até
ficar de calcinha e sutiã, mostrando um belo corpo, elogiado por Arismar.
Chamou a secretária: "Dona Carmen. Dona Carmen.
Não estou entendendo o que é isso. A moça não foi brifada?". Dona Carmen
apareceu com uma lista na mão. "Como é seu nome mesmo?", perguntou a
uma perplexa Marlucia, que não sabia se respondia ou se vestia de novo as
roupas que havia espalhado pelo chão.
-"Marlucia Godói".
Dona Carmen então, confirmou que a moça não sabia dos
detalhes porque não tinha participado das apresentações anteriores. Na verdade,
o briefing informava que ela teria que ir vestida com shortinho e bustiê para o
teste final. O susto virou alegria para Marlucia. Suas coxas carnudas e o
sensual voluptuoso ajudaram no recrutamento.
Conseguiu o emprego. Ela estava contratada para ser
uma das vendedoras da loja. Chegou em casa cedo, mas não comentou com ninguém.
Zé Alfredo estava jantando e deus três arrotos ao terminar.
Foram se sentar em frente à TV. Só então ele notou que
sua namorada exalava um perfume diferente.
-"Zezé
me emprestou. Cheiro gostoso, né?"
-"Emprestou
pra que?"
- "É que
eu fui fazer um teste para um emprego novo e... passei".
-" E
tinha que ir assim perfumada?"
Marlucia gostou de saber daquela pontinha de ciúme que
finalmente conseguiu despertar em Alfredo. "Amor, no emprego novo eu tenho
que trabalhar de shortinho e camiseta", disse. A reação do namorado foi de
displicência, deu de ombros e mudou de canal.
Dois dias depois, ela se apresentou no trabalho e logo
foi chamado para uma conferência com o diretor.
"-Dona
Marlucia, prazer. Meu nome é Arismar Salgado". "-Eu já conheço o
senhor de muito tempo. Papai acompanhava todos os jogos do Atlético e chegou a
ir pro Rio numa final da Copa Brasil".
"-Dona
Marlucia, a senhora fala inglês?"
- "Estudei um pouquinho no segundo grau e
fiz até o nível 3 do CCAA".
"-Isso é
muito bom, porque em 3 meses vamos abrir uma filial em Somerville...a senhora
sabe onde fica?
"-Na Inglaterra?"
-"Quase
que a senhora acerta, mas fica mesmo em Boston, no Zestado Zunido!"
-"Ahn,
tenho uma prima morando lá desde 89. Me disseram que é uma beleza!"
"-A
senhora estaria interessada em trabalhar em Boston?"
A mulher não pode esconder a surpresa.
(FIM - do primeiro capitulo)
Adendo
Quem será a próxima vítima?
A violência doméstica está em pauta na comunidade
brasileira residente nos Estados Unidos. Depois do assassinato de Carla e
Caíque Souza, brutalmente realizado pelo marido e pai, Jeremias Bins, procura-se
uma resposta para a pergunta: O que poderia ter sido feito para evitar a
tragédia?
Um popular programa brasileiro de rádio em
Massachusetts, conduzido pela apresentadora Sonia Alvarino, foi bombardeado com
ligações de mulheres brasileiras de Framingham e Milford que reclamavam do
relacionamento com seus maridos e preocupadas, afirmavam: Eu posso ser a próxima vítima. Uma dessas mulheres visitou a
estação de rádio para pedir ajuda, porque seu marido teria dito que se ela
comentasse sobre os problemas do casal, ou se chamasse a polícia, ele iria
matá-la.
Sonia Alvarino disse que o crime deu coragem a muita
gente para falar sobre o assunto. Entra em cena a polícia, a igreja local dos
Mórmons, que incomodava o assassino, e aparece também a ONG Vozes Contra a
Violência (Voices Against Violence).
Casos de estrupo, agressão física, maus-tratos são
relatados diàriamente por mulheres brasileiras e hispanas nos EUA. Muitas ainda
se calam, embora a polícia conte com uma unidade específica para lidar de casos
de violência doméstica.
Marlúcia, claro, não sabia nada disso.
Ela resolve ir morar em Boston, deixando-o em Minas.
Capitulo 2 - Traição em
Ipatinga
Marlucia, namorada de Alfredo, finalmente consegue um
emprego na loja de esportes de um ex-jogador de futebol famoso. No emprego,
precisa trabalhar de shortinho e camiseta apertadinha para atrair os clientes.
Seu namorado, Zé Alfredo, a princípio não se opôs ao emprego.
De minhoca do brejo a princesa da Salgado não demorou
muito. No primeiro mês na loja, participou de uma reunião e opinou sobre a cor
do uniforme das meninas.
Arismar, que não era de perder tempo, aproveitou que
Marlucia tinha trabalhado até tarde, convidou-a para jantar. Deixou-a bem tonta
com o vinho barato que mandou servir e ao invés de dirigir de volta para a casa
da moça, levou-a ao motel mais luxuoso da região. A princípio, Marlucia não
entendeu nada e ficou bem chateada por se encontrar dentro de uma garagem de
motel.
Arismar, entretanto, com a lábia de experiente
profissional, argumentou que se ela passasse a noite com ele, teria direito ao
visto de trabalho para os Estados Unidos, passagem e um quarto confortável para
morar na cidade de Somerville.
Marlucia estava tontinha. Olhou sério para a cara de
Arismar. Pensou em Zé Alfredo. Riu. Relutou muito. Mas ficou pensando:
"volto para casa, para a mesma coisa de sempre, ou aceito uma proposta
indecorosa como essa e dou adeus a Ipatinga? E se ele estiver me enganando? Me
usa e depois joga fora..."
Não pode continuar pensando. Ele a puxou para si e
começou a beijá-la. No pescoço, em beijos curtos e sentidos, até que encontrou
sua boca carnuda e alí ficou, saboreando e deixando saborear aquela gostosa
sensação de prazer. Marlucia não esboçou reação. Estava nos braços de Arismar
Salgado. Subiu para o quarto do Motel.
Fizeram amor até ao amanhecer. Ela logo se deu conta
que a partir daí a sua vida mudaria para sempre. E sonhava: "Puxa, vou
pros States com visto de trabalho."
Tinha que dar as contas do namorado, o que não seria
muito complicado, devido aos ultimos anos xoxos de relacionamento. Ele não
estava nem aí. Mas, por onde começar? Como terminar o namoro? Resolveu escrever
uma carta, que só seria entregue ao rapaz quando ela já estivesse em Belo
Horizonte, pronta para tomar o avião da United para Nova York.
"Escrevo, viajo e quando ele ler eu já estarei
longe", comentou com a tia.
Muita gente não se dá conta de que a ambição e a
cobiça podem levar qualquer um a realizar atos de loucura. Assim como o ciúme.
E o ciúme com sentimento de ser traído, de ter se transformado num corno, pode
ser o pior dos pecados capitais, porque leva a comportamentos mais do que
extremos.
Foi o que sentiu o Zé Alfredo quando começou a
desconfiar do que estava acontecendo a seu redor. Passou a fingir que dormia
durante a novela, mas ficava escutando Marlúcia conversar com a prima e com a
tia sobre o que levar na viagem, "quando é que você escreve a carta para
ele", etc.
Aquele ambiente de intriga e confabulação fez Zé
Alfredo reagir. Sentia que estava sendo traído, mas não tinha provas ainda para
acusar a namorada. Ficou com a pulga atrás da orelha! E pensou num plano
diabólico para se vingar de Marlucia.
Deu bastante corda para que ela corresse atrás de
todos os detalhes da viagem e fingia que não sabia de nada. Pelo seu lado,
sabendo que jamais conseguiria um visto para os Estados Unidos, foi procurar
seu amigo Alex.
"-Alex, preciso duas informações. Como chego em
Boston atualmente, que está tudo trancado pelo México?" -"Tem uma rota muito boa agora, por Cuba
e pelas Bahamas. Quer encarar?". "-Quanto?" - "-Dez mil
dóla". "-Topo".
Finalmente, o ingênuo do interior resolveu reagir. Mas
jamais se vingaria da linda Marlucia na mesma cidade. Mesmo assim, jurou fazer
picadinho dela e de Arismar Salgado assim que chegasse em Massachusetts.
Capítulo 3 - Um serrote bem afiado!
Marlucia aprontou-se para a viagem sem imaginar as
intenções do rapaz. Ela estava se preparando para conquistar o Mundo. Tinha
decidido abandonar Zé Alfredo e já vivia em outro planeta. Ele, procurando uma
maneira de seguí-la para se vingar. Com o visto de trabalho carimbado no
passaporte, a deliciosa representante do belo mundo feminino mineiro se sentiu
extremamente envaidecida.
Pelo emprego, pelas noites de amor com Arismar e pela
possibilidade jamais imaginada, de poder conhecer a Newberry Street e o Boston
Commons. Trabalhando na filial da
Salgado Sports.
Chegou o grande dia! Depois de muito abraço, beijinho
e "boa sorte querida", Marlúcia foi apanhada em casa por um táxi com
placa de BH.
Algumas amigas que a viram sair de casa, afirmaram que
ela chorava muito. Algumas, achavam que é porque estava feliz. Outras, por
estar triste. De uma forma ou de outra, chorava.
Embarcou num avião da United Airlines em direção ao
seu novo futuro. Quatro dias depois, Zé Alfredo encontrou a carta:"- Meu
querido e inesquecível Zezinho. Eu pensei que o amava, mas descobrí que estava
errada. Fui embora. Vou morar em outro país. Qualquer dia desses, mando um
cartão postal. Sabe que no início eu até
gostava? Lucinha."
Como o rapaz já sabia das intenções mundanas da antiga
namorada, não se abalou muito. Mordeu os lábios e molhou a garganta com mais um
gole da cachaça com cocacola que tomava todos os dias, pontualmente às 6 da
tarde. Entrou na sinuca e encontrou de novo com o Alex.
"-Está tudo arrumado. Você entrega a primeira
parcela de 2 mil dóla agora e o resto só depois que chegar em Freminhém".
Alex já tinha estado em Boston muitas vezes, mas sua
especialidade como “importador” de mão de obra barata brasileira via México,
foi logo descoberta pelas autoridades americanas e brasileiras.
Depois da deportação e dos primeiros dias amargurando
a dureza, um "coyote" amigo revelou a nova rota pelas Bahamas. A
partir de então, Alex ficou conhecido em Ipatinga como o "rei do
Caribe". Voltou a usar o seu boné
verde do Boston Celtics, que era a indicação que as rotas de emigração estavam
de novo abertas.
Zé Alfredo pensou em colocar um serrote bem afiado na
bagagem. Mas era uma viagem entre Belo Horizonte e Boston. Desistiu. Ia dar muito trabalho para esconder da
segurança. Teve uma aula completa de viagens dessa natureza com o amigo. Alguns
dias depois, sem que ninguém da família soubesse, disse em casa que "ia
alí de repente" e pegou o ônibus para São Paulo. Esperou muitas horas no
aeroporto de Guarulhos, até que chegou um rapazinho com uma passagem pela Cubana
de Aviación.
Entrou no Tupolev já sentindo o cheirinho de rum. Em
Havana, foi levado para um pequeno galpão, aonde recebeu o visto para as
Bahamas e entrou num vôo para Freeport. De lá, outro vôo para Nassau. Chegou de
barco numa das praias da Flórida. Mas ainda tinha muito chão pela frente.
Com as indicações recebidas, chegou na cidadezinha
costeira de Pompano Beach. Encontrou-se com o primo do Alex, Dejalmir, que logo
providenciou a van até Connecticut. De lá, pegou o ônibus para Framingham.
Capítulo 4 - Um tiro à queima roupa
Zé Alfredo abriu mão do amor que sentia por Marlúcia.
Deixou que ela cumprisse suas responsabilidades como amante do dono da loja. O
rompimento, para ele, tinha sido horrível. As piadinhas que ouvira na sinuca o
fizeram até mesmo pensar em suicídio, pendurando-se numa das árvores mais
frondosas da cidade.
Seus problemas de depressão e as dificuldades no
relacionamento afetivo deixaram que ele criasse os demônios em sua mente de
apaixonado traído. E viajou para Massachusetts atrás dela!
No início pegava um trem de Framingham até o centro
de Boston e de lá, a linha verde do Metrô que o deixava em frente ao Shopping
Center de Cambridge, em Leshemere, onde foi inaugurado com pompa e circunstância, o lojão da Salgado Sports.
Até o vice-cônsul em Boston compareceu. Vieram
jornalistas da Flórida, de New York e Connecticut, todos querendo abocanhar
anúncios para seus sites e jornalecos.
Houve desfile de modas, com lindas jovens mostrando a
coleção da Salgado.
Zé Alfredo ficava de longe, observando todo o
movimento. Aproveitava-se do frio antártico da cidade para esconder-se atrás de
um sobretudo, uma tôca e um cachecol.
Do jeito que estava vestido, ninguém o reconheceria.
Via a hora em que sua antiga amada chegava para o trabalho e a hora em que saia.
Algumas vezes, chorava baixinho pelo revés que tinha sofrido na vida. E começou
a planejar a execução da sua vingança pessoal.
Um dia, numa das viagens entre a South Station e a
Union Street, conheceu um casal brasileiro. E foi convidado para participar de
um culto na igreja do pastor Glaube. Arranjou logo emprego numa padaria, por
indicação do casal bondoso. Sentia que sua vida dava uma nova respirada cada
vez que ia à Igreja. Sentia-se mais aliviado!
Pouco a pouco, foi se lembrando das ruas da sua
infância, e da árvore na qual se viu pendurado uma noite, quando, ao voltar
bêbado da sinuca, pensou em se enforcar alí mesmo, para toda a cidade
testemunhar a sua ação final.
Em Framingham, enquanto os colegas da casa ficavam na
sala assistindo às mesmas novelas que sua ex-amada tanto gostava, ele lia a
bíblia no quarto e se envergonhava dos dois fatos.
Primeiro, o de pensar em tentar o suicídio. Segundo,
como poderia ter pensado em matar aquela linda mulher, que tinha sido sua
companheira por quase 5 anos? Recordava-se dos momentos mais íntimos de sua
relação com a bela Marlúcia, quando ficavam abraçadinhos até o final da novela
e depois iam fazer amor, cada um sonhando com seu artista favorito.
E não conseguia mais pensar em vê-la estirada num
caixão.
Deixou de frequentar o shopping de Cambridge. Resolveu
esquecer aquele assunto de assassinato, passava os dias fazendo pãozinho de
queijo e salgadinho. Os meses se passaram. Zé Alfredo era outra pessoa.
Mas, um belo dia, desses em que o destino apronta,
mandando um exuzinho safado fazer trabalho que tinha que ter sido feito por um
anjo, Arismar e Marlúcia entraram abraçadinhos e muito felizes... aonde? Na
padaria onde Zé Alfredo trabalhava. Foram fazer compras para uma festinha
particular. Ele ouviu aquela voz familiar, engoliu em seco. Parou de enrolar
salgadinho. No mesmo instante, subiu aquele ódio contido, que vinha segurando
por meses. Saiu pela porta traseira do estabelecimento e foi vomitar ao lado
dos contêineres de lixo no beco gelado.
Resolveu, finalmente, dar a volta por cima. Foi até
aquela rua que o Alex tinha indicado. Encontrou com o senhor negro, de barbas,
que lhe vendeu um revólver baratinho. E três balas. Explicou como o negócio
funcionava. Ele colocou o três oitão por debaixo do sobretudo e saiu, aliviado,
pelas ruas de East Boston. Pegou a linha vermelha do metrô, trocou para a linha
verde em Government Center.
E, com toda a força que conseguiu reunir, dirigiu-se a
passos largos para o Shopping da Leshemere. Entrou decidido. Fez uma ligação
telefônica do aparelho público que viu no segundo andar.
No dia seguinte, foi assim a manchete do Brazilian
Times, um periódico de Boston:
"BRASILEIRO ASSASSINADO NO SHOPPING!"
Um advogado americano e seu intérprete chegaram na
delegacia.
"Eu telefonei para a loja. Insistí muito e ela me disse que se encontraria comigo. Ficou aborrecida, mas acabou cedendo. Sentamos no café
Starbucks. Falou que não gostava mais de mim, não imaginou nem por um segundo
que eu pudesse estar vivendo em "New England". Pior, ela não me olhava no
rosto. Eu não conseguia mais pensar em viver sem ela. Tirei minha arma do
sobretudo para me suicidar com um tiro no pescoço. Foi quando se aproximou de repente "Seu" Salgado, o amante.
Ele viu, pensou que eu ia atirar nela.
Então, num ato de desespero, ele se jogou por cima de
mim para impedir. Foi quando a arma disparou, acidentalmente. Matei Arismar sem
querer! Logo veio toda a segurança do shopping, a polícia chegou em menos de 1
minuto. Fui algemado. Sem entender nada... Doutor, tem alguma figueira aqui por
perto? Quero me
enforcar!"
FIM