sexta-feira, julho 13, 2012

Os Eternos Desconhecidos da Paulicéia

Os Eternos Desconhecidos ou....

Como me dei bem em São Paulo - uma história para ser roubada
 I
Todos os dias eles faziam tudo sempre igual. Acordavam às 6 horas da manhã. Tomavam banho e se arrumavam. Depois de um fraco café da manhã, abraçavam sorrindo com aquele matinal sorriso ao passar pelas bocas de hortelã de seus amados filhos, pais, irmãos, agregados, maridos, mulheres ou amantes e finalmente saiam de casa em direção ao trabalho. Atravessavam a rua, subiam numa calçada cheia de gente caminhando na mesma direção. Vindo de todas as partes da grande cidade. De um lado, o terminal de ônibus lotado, do outro, centenas de pessoas se encaminhavam para um grande buraco, que aparecia misteriosamente com suas largas escadas rolantes e não rolantes atraindo com suas entranhas aqueles eternos desconhecidos.


Passavam rapidamente pelas roletas, desciam mais escadas, encontravam a plataforma que já os aguardava lotada de gente de todos os tipos, todos os estilos, todos os tamanhos, todas as raças.


Alto falantes informavam dos movimentos dos trens, imagens nas telas de publicidade mostravam as opções culturais e artísticas enquanto todos aguardavam a chegada do seu primeiro, segundo ou até mesmo terceiro transporte do dia. Entravam apertando-se uns aos outros numa vertiginosa corrida em direção a qualquer espaço disponível naquele vagão de metrô.


Apertava daqui, apertava mais e empurra dali, todos se lembrando da época em que eram sardinhas em lata e hoje, talvez em novas encarnações, sofressem do mesmo mal.

Para Pepe, um ex-boxeador, porteiro e saca-trapos de uma firma de aparelhos eletrônicos e vídeo-segurança, que vivia até pouco tempo de pequenos golpes, tipo cheque sem fundos, usando o cartão de crédito de um amigo sem pagar a dívida, aquelas coisas.... para ele, Pepe, era um dia especial. Do seu lado, carregando uma mochila que parecia bem cheia e pesada, encontrava-se o Kimura Ponês.


Há algum tempo Pepe vivia pensando nos eternos desconhecidos. Na forma como eles sofriam, não somente apertados e encurralados nas grandes escadas rolantes da estação de transferência Pinheiros, mas também pensava no péssimo odor que exalava do rio do mesmo nome, cheirado e sentido todos os dias por milhares de passageiros que saiam do “buraco” e, na superfície, sofriam mais ainda com o cheiro de bosta azeda que eram obrigados a compartilhar com os milhões de paulistas que viviam, trabalhavam ou eram obrigados a passar pelas marginais ribeiras dessa grande cidade.

II

Pepe tinha um plano bem ousado. Ele desejava faturar pelo menos 20 mil reais em no máximo 35 dias. Isso serviria para pagar aos amigos que emprestaram cartão, alguns cheques de lojas que foram parar no Serasa e SPC e outras pequenas pendências. Depois, voltaria para Salvador.


Em suas viagens diárias pela linha azul e amarela do metrô e depois a linha Esmeralda da CPTM até Presidente Altino para trabalhar, indo as 6:30 e voltando às 18:00, Pepe se revoltava quando as portas do trem se abriam e entrava aquele cheiro de merda, principalmente nas estações Vila Olímpia e Cidade Jardim. O pior é que o cheiro espetacular teimava em permanecer até duas ou três, às vezes quatro estações inteiras e só melhorava um pouquinho depois da estação Ceasa. A porta fechava de novo.


O trem lotado de gente asfixiada e tentando tirar aquele odor do nariz, forçando um espirro. Muitos até aproveitavam para peidar nessa hora. O que parecia até natural e sugestivo. Cocô e cocô um dia se encontrariam. Democracia plena. O cocô dos ricos se encontrando com o peido dos menos válidos.


Em plena paulicéia, se é que me entendem.



De um lado, o Shopping Morumbi, do outro, Parque Burle Marx e uma “comunidade” em Santo Amaro. E por aí passava o trem. Lotado. Com a porta fechada, claro. O cheiro de merda, insistindo em permanecer lá dentro.


E o pior, tinham que enfrentar todos os dias, pelo menos no primeiro vagão, uma situação inusitada com a qual acabaram se acostumando. Durante a viagem havia aquele senhor, que passaram a chamar de “o maluco da CPTM”.


O coroa, quando o trem abria a porta numa das estações-lambança e pouco antes de fechar as portas, gritava a plenos pulmões: “cheira todo mundo junto, agora” e pedia a todos para encherem o pulmão com aquele cheiro azedo de cocô, segurar 15 segundos e soltar o ar devagarinho. Os eternos desconhecidos (numa das ocasiões o Pepe presenciou a cena), que viajavam naquele vagão obedeciam cegamente as ordens do coroa. E não é que funcionava mesmo? O cheiro, entrando em todos os pulmões ao mesmo tempo e solto em camadas, fazia dissipar metade do cheiro de merda que insistia em permanecer no trem. Seria sério se não fosse cômico.


Nosso personagem tinha visto na tevê pessoas usando máscaras contra gás e vírus de gripes, para se protegerem contra a poluição, fumaça e contra ataques policiais com bombas lacrimogêneas. Pensou: e se eu inventar um treco parecido com esse? Ao invés de proteger contra gás, poluição e vírus, protegerá também contra cheiro de cocô do Rio Pinheiros.


Falou com o Kimura, o amigo nissei desenhista da firma.

O “ponês”, como era conhecido, trabalhava bem com o Corel, gostou da ideia e resolveu investir no projeto de Pepe. Além disso, seu pai era um dos sócios da firma de segurança e com certeza, se o projeto fosse viável, ele até poderia investir uma grana pra encomenda do primeiro milheiro.

Fizeram, juntos, um rascunho. E o material para fazer um protótipo? Correram atrás e montaram um sistema com uma bombinha que tocava para dentro da máscara um leve cheiro de alfazema, um perfume barato que foi moda na década de 50 do século passado e um pouco mais aromado do que o leite de rosas, que tinha sido a primeira opção.


Saíram juntos para testar o aparato.



III


Assim que o trem parou na estação Granja Julieta e o fedor tomou conta do vagão número 2, Pepe e Ponês vestiram suas máscaras, acionaram a bombinha e logo aquele cheirinho de alfazema penetrou em suas narinas.


Os dois, embora a cara de curiosidade e medo dos outros passageiros os deixassem um pouco constrangidos, seguiram mascarados até a estação Cidade Universitária, onde o auge do fedor alcançava a sua plenitude máxima. Antes da Villa Lobos, tiraram as máscaras e olharam felizes um para o outro, com a impressão de terem cumprido uma etapa importante em suas vidas de inventores preocupados com o bem do próximo. Riram bastante com o resultado. De empregados de uma firma tamanho médio, eles começaram a vislumbrar a realização de um grande negócio. Finalmente iam encontrar a independência financeira e seu Takaoka Kimura iria se orgulhar do filho e do empregado quase sem-teto.


O plano parecia infalível. Agora era correr atrás da produção do primeiro milheiro. Mas, e as vendas? Como fazer para atingir o público, aquele público que viajava naquela linha e que sofria com cheiro de merda todo dia? O rapaz do amendoim e a moça do chiclete lhes forneceram a solução.
Os dois inventores ficaram meio atrapalhados para começar a primeira experiência de vendas como camelôs dentro do trem (o que é prática proibida), mas mesmo assim começaram:


- Acabe com o cheiro de cocô. Máscaras cheirosas para fazer mais confortável a sua viagem. Delete o Rio Pinheiros de sua vida.


- Na minha mão, agora, aproveita galera é só 10 reais, 10 reais e vc não sente mais cheiro de merda.


- Alfazema em seu nariz, esqueça a merda do chafariz.

- Compre aqui com a gente, sem água poluída da nascente.

- Esqueça o cocô, vire você também um dotô.



 E assim, de trocadilho em trocadilho, venderam 20 peças num vagão, 15 em outro, desceram na estação Ceasa e voltaram em direção ao Grajaú, apregoando seu produto e já com a sacolinha cheia de dinheiro.

No final do dia, a dupla tinha faturado 2000 mil reais.


O resto da história, fica pro seu Kimura pai, que passou a importar máscaras Made in China mais modernas e exalando perfume Chanel falsificado. Kimura filho abriu um sushi-bar. Pepe voltou prá Salvador e foi cuidar de jovens carentes do projeto “Defenda-se”, criado por ele quando ainda era um boxeur.

Os desconhecidos ficaram eternamente gratos por não terem mais que aguentar o cheiro de merda fedida.

Passaram a usar a máscara-contra-cheiro-de-merda-dos-Rios-Pinheiro e Tietê-com-chanel-numero-cinco-para-seu-deleite- ou simplesmente, CacaMask, produto da Pepe&Kimura Empreendimentos.

Sim, nosso herói pagou a conta atrasada aos amigos e aos lojistas e hoje mora com uma lourinha sueca na praia do Farol da Barra, Salvador, Bahia.



(Phydias Barbosa, SP, julho de 2012.


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Novos Crimes do Amor Nota do autor: Para escrever este conto, eu me baseei em crimes realizados no seio da comunidade brasileira...