sábado, dezembro 09, 2017


Rede Anti-Social



“Amigos, eis uma verdade eterna: — o passado sempre tem razão”. 

Esta é uma frase de Nelson Rodrigues que me acompanha desde o ano de 1965. Nascia a recessão. Os militares tomavam conta do Brasil. E eu, começando a vida de assistente duplo em cinema, de produção e de direção.

De produção, de duas feras da época, Roberto Baker e Chris Rodrigues, que devem estar como almas felizes passeando em galáxias desconhecidas, das mais de 200 milhões existentes no Universo, que toda hora me fazem lembrar que somos todos nitratos de pó de M e deixamos que a mídia, a babaquice generalizada da política mundial e do capitalismo desenfreado nos proibam viver o presente.

De direção, de João Bethencourt (também no céu), que tinha sido o maestro teatral da montagem episódica de Os Pais Abstratos, de Pedro Bloch, no Teatro Princesa Isabel (Leme, RJ) recém inaugurado no qual eu era o Faz-Tudo, o Saca-Trapo, em inglês é chique “Runner”, “Office Boy’. O teatro era de Orlando Miranda, Pedro Veiga e Pernambuco de Oliveira. Este último me ensinou muitos truques teatrais que até hoje utilizo em montagens emblemáticas. Como alguns “millenials” vão ler isso, a sugestão de procurar esses nomes no Tio Google é necessária.

O conteúdo do filme? Nelson Rodrigues e suas obras. Eu, 17 anos, sendo assistente de todas essas feras e tendo a tarefa de chegar cedo na casa de seu Nelson em Laranjeiras e avisá-lo para se preparar para as filmagens, antes da equipe chegar. E “tinha” que escutar pérolas de sua coleção, como “O Oto Lara Resende diz que o mineiro só é solidário no câncer”.

Caraca, estávamos em 1965. Aquele “câncer” exclamado pelo escritor, teatrólogo, jornalista que eu tanto tinha aprendido a admirar soou horrível, câncer era uma palavra proibida, uma doença sem cura, um mal terminal. E dava medo. Até hoje, mais de meio século depois, nos apavora e mata.

Porém, a frase abaixo me deixou mais cabreiro e a qual me fez pensar – sim, o Brazilino pensa e logo, existe –

“Toda família tem um momento em que começa a apodrecer. Pode ser a família mais decente, mais digna do mundo. Lá um dia aparece um tio pederasta, uma irmã lésbica, um pai ladrão, um cunhado louco. Tudo ao mesmo tempo”.

Frases de Nelson Rodrigues, minha gente, não são do Brazilino. E fui pra casa pensar.

Podem não ser pederastas, lésbicas ou ladrões. Podem ter ideias mágicas na cabeça. Algum dia, podem virar milionários. Por sorte. Ou lançarão uma start-up vencedora? Estou falando dos “millenials”. Você tem um em casa?

Pois, parafreseando Nelson: “Os Millenials só são solidários na Maria Juana”. Dêem pra eles alguma tarefa. Vão te enganar, fazer pela metade, ficar com preguiça de continuar. “I’m tired”! Como são poderosos... No laptop e no smartphone....ah e no baseado!

Esses jovens cresceram (do Wikipedia) “num mundo digital e estão, desde sempre, familiarizados com dispositivos móveis e comunicação em tempo real. Como tal, são um tipo de consumidores exigentes, informados e com peso na tomada de decisões de compra. São a primeira geração verdadeiramente globalizada, cresceram com a tecnologia e usam-na desde a primeira infância. A Internet é, para eles, uma necessidade essencial e, com base no seu acesso facilitado, desenvolveram uma grande capacidade em estabelecer e manter relações pessoais próximas, ainda que à distância. A tecnologia e os dispositivos móveis (tablets e smarphones) em particular, criaram condições para os Millennials ligarem-se e comunicarem entre si como nenhuma outra geração o tinha feito anteriormente, permitindo partilhar experiências, trocar impressões, comparar, aconselhar, criar e divulgar conteúdos, que são o fundamento das redes sociais. Os Millennials têm a expectativa de ter informação e entretenimento disponíveis em qualquer lugar e em qualquer hora.

Eles têm que sentir que controlam o ambiente em que estão inseridos, têm que obter informação de forma fácil e rápida e têm que estar aptos a ter vidas menos estruturadas”.

Ferrou! Os Baby-Boomers não conseguem se comunicar com os Millenials, tal a distância do “telephone Graham Bell” de parede com manivela até ao smartphone. Boomers são pais e avós dos millenials e como tal, desrespeitados. Estamos “passados” e “velhos”. 

Tudo isso me fez lembrar Nelson Rodrigues. Mas, terá mesmo o passado “razão”? Ou devemos todos os boomers pendurar nossas chuteiras e observar o que essa galera vai fazer com o planeta Terra?

Ou ainda….como sabemos que não somos nada no Universo, deixar prá lá e “ir viver a vida que nos resta, respirando o presente e deixando nas mãos – e laptops -  deles?”.

Porque, amigos, a tecnologia é maldosa, assim como as TVs abertas. Nos desliga no momento do religare. Religare com a religião, ou uma crença,  uma filosofia, "religare" com a família, com o pensamento,  a amizade, gratidão, conversa, consistência, perdão e benevolência. Falta tudo isso aos Millenials? Ou não precisarão (nada disso) no decorrer deste século? 


Phydias Barbosa

terça-feira, março 21, 2017

Doutor Marconi Responde, especial para o Brazilian Courier

Emotiva carta de uma leitora aqui dos EUA:

Olá, Doutor Marconi. 



Meu nome é Ana e moro em Somerville, Massachusetts. Vim pros Estados Unidos embalada pelo sonho americano de uma vida melhor. Para fazer uma comparação com a vidinha que eu levava no interior de Minas, lá eu ia ao cinema toda semana e aqui nunca entrei num Regal Cinemas. Lá eu tomava batida de cachaça de alambique e aqui bebo Jack Daniels, uma bosta. 

Porém, lá eu jamais teria a condição de fazer um pézinho de meia, e ele me foi apresentado pelo Josué, amigo da família e carpinteiro de mão cheia, que já tinha voltado a Coromandel duas vezes, sempre atravessando do México prá cá pelas mãos de um coyote que, juro, nunca tentei e jamais tentaria. 

Mas Josué me impressionou. Comprou a padaria de seu Nuno, investiu em dois apartamentos pras irmãs dele, voltou pra América, trabalhou mais três anos, voltou a Coromandel de novo, comprou 1 armazém com tudo dentro e hoje é dono de uma construtora em Manchesti, aqui perto, no estado de Niurampishire.

Eu penei mas tirei visto, fui no consulado duas vezes, duas entrevistas e finalmente saí de lá com visto de turista por 10 anos. Cheguei aqui, me deram 6 meses pra ficar. GrazaDeus!

Fui logo trabalhar pra dona Marly, que tinha um isquédio de casas em Beacon Hills, lugar de filho de gente rica que estuda nas Universidade, tudo cheio de grana. Ela gostou muito de meu trabalho e me dava umas 4 casas e 5 apartamentos por semana pra limpar, eu trabalhava de neve a neve, saía de casa 6 e meia da manhã e só voltava quase na hora do Jornal Nacional. E ainda ganhava umas gorjeta.

Josué me apresentou uma prima, a Perla, que morava em Allston e já tinha comprado um casamento de um hispaninho baixinho, cidadão americano que deu logo o grincarde pra ela. 3 anos de América e ela já tinha grincarde e olha que o marido dela trabalhava na disha e no rufe, quando nevava era na pá mesmo, arrancando neve da porta dos rico. 

O Juan (marido da Perla) nos levou uma noite pra dançar salsa num clube dominicano. Coisa que eu não fazia há 5 anos! Lá, conheci o Peter, metade americano, metade portoriquenho que me puxou prá dançar. Eu nunca tinha dançado essas música latina, mas gostei me lembrando dos tempo que dançava lambada em Coromandel.

O cara era muito chato e senti logo que ele queria me comer. Mas eu segurei bastante, mesmo que minha última noite sexual tenha sido uma merda, num motel de estrada com o Sérjo. Cara bom de papo, mas depois que bebia virava um monstro. Ele é uma das principais razões pra mim ter saido de lá de Minas e vim tentar ganhar mais em Boston, trabalhando como faxineira, depois de ter sido empregada do melhor supermercado da minha cidade. 

Porém, o Peter insistiu e insistiu que queria me namorar, mas meu modelo de negócio era justamente a Perla, ela com aquela carinha de anjo que Josué me disse que deu pra meia Coromandel, casadinha e grávida do Juan, mas com grincarde.


Resolvi acelerar meu processo de virar gente aqui na América. Falei pro Peter que se ele me ajudasse a comprar o isquédio de dona Marly que eu ficava. Não é que ele ajudou? Casei com o Peter e hoje, depois de 10 anos olha só o que tenho:

- O Abençoado Grincarde
- Dez mil dólares na poupança
- Um par de peitchola nova pra impressionar os gringo
- Num tenho barriga, porque o clin não deixa

- Mas...vivo abraçando um vaso sanitário de 15 mil dólares tudo pra limpá como se fosse novo!

- Meu marido brochô
- Num prendi uma frase compreta em inglês
- Minha patroa viaja pra Europa 2 veis por ano
- Eu nunca mais voltei a Coromandel
- Eu ajudo a patroa fazê as mala pra Paris...e ganho 3 par de meia véio ....ela tem uns cachorro lindos...mas quem limpa o cocô deis sou eu.... Ela faz compras em Londres...e eu encaro a feirinha dos brasileiro de Niurampshire.

Doutor Marconi,  Que que eu tô fazendo na América? Qué me dizer por favor? E essa saudade louca do feijão temperado por Dejalmira? E um mergulho no Ribeirão das Noiva?


(A Insegura de Somerville)


Translation
Isquédio: schedule 
Grincarde: green card
Disha: dishwashing
Rufe: reforma de telhados 
Clin: faxina
Niurampishire: New Hampshire

Dr Marconi responde:

Prezada Ana,
Apesar de viver abraçada limpando um vaso sanitário de rico, me parece que você tem uma vida melhor do que no Brasil, porque lá o buraco é mais embaixo.  Veja só e pense nos benefícios;

1) Lá a senhora não teria tido a possibilidade de trabalhar como faxineira e ter 20 mil dólares  na poupança.
2) Sua operação plástica parece ter sido um sucesso, gostaria mesmo de checar essa sua "peitchola" nova. 
3) O vaso lá no Brasil no caso seria um de 75 reais, bem abaixo dos 15 mil dólares do seu patrão. Aprecie esta diferença.
4) Desconfio que pela sua "experiência" já deve ter chegado na Menopausa, portanto a insegurança sexual do seu marido Peter me faz lhe passar duas sugestões: Um amante mais jovem ou um consolo destes que se compra em qualquer sexy shop aí de Somerville. Alguns vêm com manual.
5) Excelente esse tal de "clin", muita gente devia tentar para perder gordura e se manter ativa, sem precisar de LA Fitness nem Herbalife. Muito bem! 
6) O restante da sua lista me prova que a senhora é muito ambiciosa de querer ir a Paris com 20 mil dólares na poupança e ainda comprar meias novas....sem falar francês? Não faça isso!

SUGESTÃO:  Volte para Coromandel prá comer o feijão delicioso da Dejalmira porque essa vida não se vive duas vezes. Lá, a senhora poderá andar descalça no quintal e não precisará das meias da patroa. A América é ilusão, menos para os ricos. Trabalhar em dois empregos e não poder fazer amor ao voltar pra casa é triste. Com "Grincarde" a senhora vai e volta por $550 dólares, é só procurar online que vai achar. E em Coró vai gastar o que? Qua$se nada!

Boa viagem, bom feijão e bom mergulho! 

Novos Crimes do Amor

Novos Crimes do Amor Nota do autor: Para escrever este conto, eu me baseei em crimes realizados no seio da comunidade brasileira...