Famoso escritor perde a vida em naufrágio
Hermes, o "Titanic" de Macaé
Macaé e sua administração acabam de perder uma excelente ocasião para capitalizar em cima de sua própria história. Afinal, vem aí os 200 anos da cidade em julho de 2013 e a comemoração parece ter sua produção empacada, por razões políticas ampliadas por egoísmo de uma meia dúzia de cidadãos empavonados em seus cargos administrativos e burocráticos.
Em 1861, mais precisamente no dia 28 de novembro, um navio pertencente à frota da companhia de navegação União Campista e Fidelista afundou por erro humano aqui mesmo no mar de Macaé.
O autor de Memórias de um Sargento de Milícias |
Há pouco mais de 5 semanas atrás, poderia ter sido relembrado no município os 150 anos do naufrágio do Vapor Hermes. Um evento que já puxasse o cordão de comemorações que, como sugerimos acima, deverá ser um pegapracapá entre uma administração que sai e outra que entra, se é que entendem o que quero dizer.
Na ocasião do desastre do vapor Hermes naquela fatídica madrugada, o jornal Correio da Tarde, do Rio de Janeiro, fez o seguinte necrológico:
"Dentre as vítimas, que veio lançar o luto no seio de muitas famílias, não podemos deixar de mencionar especialmente o Sr. Dr. Manoel Antônio de Almeida, cuja morte prematura roubou à imprensa fluminense e às letras pátrias um dos seus representantes, que mais honra lhes dava". Sobre a morte do autor de "Memórias de um Sargento de Milícias", o renomado escritor José Veríssimo escreveu: "Com ele, pode dizer-se, naufragou a talvez promissora esperança do romance brasileiro".
(Não teria sido legal, gente, se nossa prefeitura estivesse de olhos abertos e celebrasse a memória desse consagrado autor? )
(Não teria sido legal, gente, se nossa prefeitura estivesse de olhos abertos e celebrasse a memória desse consagrado autor? )
Canal e fartura
Ao norte da província do Rio de Janeiro, o governo estava para inaugurar o mais longo canal do Império. A escoação da produção agrícola campista esteve sempre atravancada pela foz estrangulada do rio Paraíba. Havia necessidade de grandes navios para embarcar a abundante produção agrícola. Mas estes só poderiam ancorar com segurança, bem mais ao sul (depois do Cabo de São Tomé), isto é, no porto de Imbetiba, em Macaé. E assim o longo canal Campos-Macaé, foi aberto a braço escravo, para escoar a riqueza campista. Seria uma semana festiva, pois junto com a comemoração de abrir-se uma via de comunicação com o município de Campos, seria o aniversário de Dom Pedro II cinco dias depois do acidente.
O município vivia bons momentos. A produção de açúcar no ano de 1861 excedeu as esperanças, e muitos fazendeiros de Campos dos Goytacazes chegaram a perder muita cana, não por causa da seca, mas por faltar-lhe materialmente o tempo para moê-la. A safra de legumes também foi abundante.
A última viagem do vapor Hermes
Muitos dos alegres hóspedes do pequeno vapor Hermes, certamente debruçados na amurada, apreciavam a magnífica baía de Guanabara. Naquele tempo, a paisagem não seria mais encantadora. Na medida que o casco rompia a superfície límpida e prateada das águas da baía, mais se extasiavam com o cenário imponente das montanhas cariocas cobertas por uma vegetação de um verde refrescante. E pouco a pouco, à distancia, se avistavam encimando os morros e em meio ao casario de telhado vermelho, as torres e pináculos, os campanários, as cúpulas das igrejas seicentistas e setecentistas de um Rio oitocentista. As imagens tão íntimas das moradias e dos templos do anedótico e folclórico mundo carioca, abraçado por uma natureza exuberante, Manuel de Almeida as viu pela última vez, quando o vapor começou a procurar o rumo norte do mar da Província. O benquisto Maneco que havia no mês de outubro último, completado 30 anos, olhou para sua cidade e deu o seu último adeus.
Vidas enlutadas e Jean de Léry 300 anos antes
Depois de uma viagem na qual encontrara ventos e correntes contrários, o Hermes chegou à enseada de Macaé por volta das 3 horas da madrugada do dia 28 de novembro de 1861, para desembarcar três passageiros e após uma curta demora, zarpou, para em seguida naufragar, logo após bater na Tábua.
A Laje do Hermes encontra-se a NW da Ilha de Sant´Anna |
A costa macaense sempre foi assinalada pelos maiores perigos, por isso só deve ser explorada por marinheiros experimentados, conhecedores profundos dos seus segredos e de suas armadilhas. Extremamente baixa e arenosa em alguns pontos, já em 1556 o navegador francês Jean de Léry, que veio ao Brasil embalado pela aventura sensacional que seria aquela França Antártida, de Nicolás Durand de Villegaignon, assinalava em suas notas de viagem, reproduzidas no seu emblemático livro Istória de uma viagem feita á terra do Brazil: " aqui no mar próximo à foz do rio Mikié, notamos a NW de um arquipélago paradisíaco dezenas de lajes mergulhadas pouco notadas e somente as vemos a curta distância".
E esse local foi a passagem do Hermes - 300 anos depois de Jean de Léry - quando zarpou do porto de Macaé em direção a Campos. Pressupõe-se que o comandante M. Ornelas pouco ou nenhum conhecimento tinha do porto, tanto assim que, logo ao destracar rumo ao Norte, colidiu violentamente com as pedras. Supondo tratar-se de areia, afastou-se ainda mais da costa com o intuito de prosseguir viagem, quando é certo que a avaria era de tal ordem que o navio soçobrou próximo à ilha de Santana, enquanto à bordo palpitavam 96 vidas, entre passageiros, tripulantes e escravos, salvando-se pouco mais da metade.
O que fica um pouco fora da órbita aqui deste pesquisador curioso é que esse perigo situado próximo da praia macaense, na época ainda não estava cartografado pela Marinha de Dom Pedro II, embora apareça no mapa de Léry de 1556. Alguém dormiu no ponto.
A Tábua foi batizada “Pedra do Hermes" - hoje, o perigoso local encontra-se sinalizado, principalmente por causa do grande fluxo de embarcações em torno do porto de Imbetiba, por conta das atividades da Petrobras.
O "jabá" do capitão
Uma gorda gorjeta fez o comandante desviar seu curso, cuja viagem teria que ser "direta a Campos". Ele teria recebido grande soma em dinheiro de três quissamaenses para fazer a parada não planejada.
As cartas dos moradores da cidade de Campos, que chegaram as redações dos jornais da Corte do Rio de Janeiro, após o sinistro, como as próprias notas da imprensa, desabaram-se em denúncias e acusações contra a gerência da companhia e contra o capitão do Hermes. Eis algumas delas:
"Devendo no dia 30 partir da corte o vapor Ceres para Cabo Frio e Macaé, por que razão o Hermes desviou-se de sua rota contra o anúncio dados aos passageiros. Mas o que é verdade é que este capricho da gerência em favor dos três passageiros para Macaé..." (Correio Mercantil).
"Uma triste realidade veio ontem enlutar a muitas famílias e provar mais uma vez o desleixo e imprevidência com que se fazem geralmente entre nós, os serviços públicos". (Diário do Rio de Janeiro).
"Esta catástrofe foi toda devida à imprudência do comandante. O Hermes nessa viagem não tinha que fazer escala em Macaé. Entrou nesse porto por interesse de alguns passageiros a que o comandante quis servir. Como, porém, o desvio da rota marcada retardava a viagem e o vapor não poderia chegar à barra de Campos com maré que desse entrada, o comandante assentou de seguir em rumo direito, deixando de fazer a volta de costume, e deu com o vapor sobre as pedras. Ficará impune o homem que enlutou tantas vidas?" (A Atualidade).
Quem eram os 3 misteriosos passageiros e seus escravos de Quissamã, que foram desembarcados no porto de Macaé em 1861?
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Macaé, mais de 400 anos de História
Fontes: Godofredo Tinoco, Luis Lamego e Elísio Gomes Filho