segunda-feira, maio 29, 2006

Era Wilson Simonal Dedo-Duro?



No início de minha carreira como iluminador e sonoplasta de shows, tive a sorte de ir trabalhar no teatro Toneleros, na rua do mesmo nome, localizado dentro de uma escola, no bairro de Copacabana. Era um excelente auditório para espetáculos, em fins dos anos 60. Fui apresentado por algum amigo ao Paulinho do Som, que me adotou como ajudante e me ensinou um monte de truques, tais como operar luz de palco, seguindo um roteiro de iluminação previamente ensaiado com o diretor do espetáculo. Na verdade, entrei para o Show do Crioulo Doido no meio da temporada, exatamente para aliviar o trabalho duplo que Paulinho vinha realizando, acumulando as duas funções, a de sonoplasta e de operador de luz. Eu fiquei com a responsabilidade de operar luz para Stanislaw Ponte Preta, o Sérgio Porto que, acompanhado do Quarteto em Cy, a banda de Oscar Castro Neves e o comediante Alegria, todos dirigidos pelo legendário Aloysio de Oliveira, era responsável pela grande caricatura do Brasil e, mais particularmente, do Rio de Janeiro da época. O samba do Crioulo Doido, além de vender milhares de cópias, passou a ser um mote popular, como alguém que se expressa quando algo não está correto, na forma Isso mais parece um samba do crioulo doido.
Quando Sérgio Porto sofreu um acidente carviovascular e faleceu no hospital, eu sentí profundamente a perda daquele grande humorista e cronista brasileiro. Suas criações permanecerão para sempre. Tia Zulmira, Rosamundo e Primo Altamirando, inesquecíveis. E foi com seu Festival de Besteira que Assola o País - FEBEAPÁ, lançado em plena vigência da Redentora, apelido do golpe militar de 1964, que ele alcançou seu grande sucesso. Stanislaw afirmava ser difícil precisar o dia em que as besteiras começaram a assolar o Brasil, mas disse ter notado um alastramento desse festival depois que uma inspetora de ensino no interior de São Paulo, portanto uma senhora de nível intelectual mais elevado pouquinha coisa, ao saber que o filho tirara zero numa prova de matemática, embora sabendo tratar-se de um debilóide, não vacilou em apontar às autoridades o professor da criança como perigoso agente comunista.
A "redentora", entre outras coisas, incentivou a política do dedurismo (corruptela do dedo-durismo, isto é, a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, o próximo enfim, como corrupto ou subversivo – alguns apontavam dois dedos duros, para ambas as coisas).
Nessa caça aos comunistas, quero mesmo aproveitar a deixa de Stanislaw, reconhecer que o Festival de Besteira que Assola o nosso País ainda continua moderno e apresentando das suas, comentando meu segundo artista no Toneleros, já com um trabalho bem mais reconhecido e a caminho de uma carreira profissional. Em 1968, com direção do renomado João das Neves, fui responsável por iluminar um espetáculo incrível, com o cantor Wilson Simonal e o trio Som Três, com Cesar Camargo Mariano no piano.
Mas em 1972, havia um mal estar no ar contra Simonal, pois se dizia à boca pequena que o cantor tinha dedurado e colaborado no sequestro de artistas conhecidos, que seriam comunistas, para os agentes do governo. Esse mal estar durou um tempo, mas eu não queria acreditar que fosse verdade, pois eu gostava muito do Simonal e tinha orgulho em ter sido o Santa Luzia (como ele me chamava, lá do palco, assim , temos alí em cima o Phydias, nome difícil, fica mais correto identificá-lo como o Santa Luzia...manda aquele magenta aqui no meio do palco, Phydias). Eu o iluminava com uma gelatina (filtro) importada pelo João das Neves diretamente da Broadway em New York, tremendo luxo. E ele cantava uma das músicas românticas do show, para delírio das meninas que sentavam na primeira fila.
Eu o encontrei, em meados dos anos 80, quando produtor de comerciais em São Paulo, jantando num restaurante italiano. Cumprimentei-o, lembramos do show e do Santa Luzia, notei alí um artista em decadência, carregando um peso, um carma que jamais casou com a sua personalidade brincalhona e de cantor com uma voz e entonação excepcionais.
Estupefato, acabo de ler na mídia eletrônica nacional que um processo da Ordem dos Advogados do Brasil instaurado em 2002, concluiu que eram descabidas as suspeitas de que o cantor Wilson Simonal, já falecido, era colaborador do regime militar. Segundo nota divulgada pela OAB, levantamento nos arquivos do extinto SNI atestaram que Simonal não era "dedo-duro", como o cantor chegou a ser acusado.
A Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) da Ordem dos Advogados do Brasil examinou documentos do antigo SNI, da Polícia Federal, recolheu depoimentos de pessoas que conviveram com Simonal e analisou material jornalístico do começo dos anos 70. Wilson Simonal foi acusado de participação em um seqüestro e de ter delatado aos órgãos repressores do governo militar uma série de pessoas ligadas ao meio musical. O cantor sempre negou ser um colaboracionista. Simonal completaria 67 anos de idade em 25 de fevereiro. O Festival de Besteira que assolou o País naquela década, tão bem caracterizada por Sergio Porto e seu heterônimo Stanislaw Ponte Preta, destruiu a carreira de um dos mais promissores artistas nacionais.
Espero que o espírito do grande Simonal agora possa descansar em paz. Ainda bem que o Simoninha está por aí dando sobrevida ao pai.

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